Servidores são excluídos do debate sobre reforma no serviço público

Grupo de trabalho da Câmara dos Deputados debate o tema em Brasília

 Servidores são excluídos do debate sobre reforma no serviço público

Enquanto um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados tem debatido a reforma administrativa, os servidores públicos em todo o Brasil têm se articulado para acompanhar as movimentações em Brasília. Na noite da última segunda-feira, 16, a presidente do Sindiserv, Secretária de Assuntos Jurídicos da Confetam e Secretária Geral da CUT/RS, Silvana Piroli, conversou com a advogada da LBS Advogados, Camilla Louise Galdino Cândido, sobre o tema.

Na conversa transmitida pelo programa Sindisnews, nas redes sociais do Sindiserv, a advogada destaca que vários setores do comércio e indústria, assim como alguns da sociedade civil, fizeram grandes contribuições para o documento que está em análise na Capital Federal. “Chama atenção que, bem na introdução desse documento, a gente não percebe a participação dos próprios servidores públicos e nem dos seus representantes, que são os sindicatos. Então, esses dois atores muito importantes, não foram chamados para o debate“, alerta.

Já a presidente do Sindiserv, Silvana Piroli, reforça a importância da mobilização da categoria na garantia de direitos. “Ou a gente se mobiliza para garantir a existência de um serviço público de qualidade, ou os maiores atingidos serão a população mais pobre, os trabalhadores. Porque o que eles querem é utilizar essa reforma como uma forma de garantir ganhos para as empresas que vão operar nessa área, ou seja, o mercado vai ganhar dinheiro com isso“, reforça.

Leia a entrevista na íntegra:
Silvana Piroli: Estamos conversando com a doutora Camila Cândido, do escritório LBS Advogados, que presta assessoria para a CUT e para a CONFETAM, E que trabalha também com várias entidades sindicais, sempre defendendo os interesses dos trabalhadores, principalmente nas instâncias superiores. E a doutora Camila tem acompanhado esse debate de grupo de trabalho, PEC 32, Reforma administrativa, enfim, Tudo isso que vem acontecendo com o Congresso. Então, eu quero agradecer. A tua disponibilidade, já fazendo uma pergunta, doutora Camila. O que, afinal, está em debate nesse grupo do trabalho? É a mesma coisa que a PEC 32, é parecido? Afinal, o que que querem mudar no serviço público?

Camilla Louise Galdino Cândido: Então, Silvana, Essa é uma ótima pergunta. Primeiro, Obrigado pelo espaço, É sempre um prazer estar conversando com vocês. Bom, essa reforma administrativa… Ela vem aí de uma série de reformas que vem sendo implementada no país, desde o governo do Michel Temer. Então, nós tivemos a reforma trabalhista, a reforma da Previdência. Agora, durante o governo Lula, é tentado fazer uma reforma fiscal, uma reforma tributária, e com muitas dificuldades. E a contra-reforma que o Congresso Nacional apresenta a essa reforma fiscal, tributária, é a reforma administrativa com viés fiscalista. Então, o que se busca ali é quebrar o trabalho perene do servidor público, já que a reforma trabalhista trouxe essa característica de rompimento de vínculos, e os trabalhadores do setor público, em especial os servidores públicos, que tem ali um cargo. Com estabilidade e perene, que eles vão se desenvolvendo ao longo da vida. Então, o que a reforma administrativa quer fazer é fragmentar também esse trabalho perene, essa estabilidade dos servidores públicos.

Silvana Piroli: E esse grupo de trabalho, ele está quase no fim, ele é formado, qual é a posição deles? É absolutamente conservadora, né? Eles estão querendo tirar direitos. Além do fim da estabilidade, que outros elementos eles incorporam ali nessa proposta para os servidores, para tirar direitos dos servidores?

Camilla Louise Galdino Cândido: O que a gente tem de documento é um compilado ali, que foi feito pelo deputado Zé Trovão e que coloca… Vários setores do comércio, da indústria, como os grandes contribuintes que fizeram as grandes contribuições para aquele documento. E ele cita também algumas organizações da sociedade civil, como Republica.org e, Se eu não me engano, pessoas à frente e tem alguns elementos da sociedade civil. Chama atenção que, bem na introdução desse documento, a gente não percebe a participação dos próprios servidores públicos, né, e nem da, e nem dos seus representantes, que são os sindicatos. Então, esses dois, esses dois atores muito importantes, eles não foram chamados ali para o debate. As características desse documento, eles lembram bastante. E a PEC 32, né? Então, Eles têm ali um volume de organização na forma de recebimento dos servidores públicos. Então, a retirada de mais de 30 dias de férias, todos os adicionais concedidos a partir de contagem de tempo, então, progressão, promoção por tempo, ou qualquer outra vantagem que advenha do tempo, né? Sem considerar, por exemplo, as peculiaridades, porque no nosso país a gente tem municípios que são muito distantes de capitais, então você precisa ter alguns atrativos para que os servidores públicos permaneçam ali, né? Então, seria uma forma de uniformizar os ganhos dos servidores públicos, de uma forma geral, no país inteiro, tirando ali qualquer tipo de incentivo para o tempo, que é, inclusive, utilizado para você manter as pessoas dentro da carreira, então, Essa questão de flexibilizar esse vínculo é muito forte. A estabilidade, A gente tem agora um outro componente, que vem da decisão do Supremo Tribunal Federal, que flexibiliza o regime jurídico único. Esse tema está ainda em julgamento, tem uma decisão do Supremo, que fala que não é necessário ter um regime estatutário, pode ter outros regimes, mas recentemente, a Advocacia Geral da União opôs embargos de declaração e a gente acredita ainda numa possibilidade de amplitude desse debate lá no Supremo Tribunal Federal, mas me parece ali que busca, dentro desse novo GT, ali, a quebra da estabilidade ainda, e uma possibilidade de ampliação dos contratos temporários, que é uma realidade entre estados e municípios. Além disso, eu pude notar da leitura do documento que eles fazem um ataque aos super salários, O que seria, inclusive, um ponto bastante positivo numa reforma administrativa e gente ter um teto, digamos, quase que absoluto, porque esse teto hoje é rompido pelas verbas indenizatórias. E, no texto, lá é mantido, então, no combate aos super salários, a proteção às verbas indenizatórias, O que é bastante curioso.

Silvana Piroli: Eu li esse documento e achei engraçado. Eles dizem que vão combater os super salários, mas mantêm todos os privilégios dos super salários, então não vão combater. É para abrir o mercado para tudo, vai poder tudo a partir desta reforma. E eu tenho uma opinião, doutora Camila, Talvez uma que eles devem aproveitar, terminar desse grupo de trabalho, desidratar um pouco a PEC 32, fazer uma atualização e remeter em plenário que for emenda constitucional, para ganhar tempo. Isso é possível?

Camilla Louise Galdino Cândido: É bem possível. É uma estratégia que eu acho que deve estar nos holofotes deles, porque a gente já tem ali um projeto aderente àquela composição ali de centro-direita e ultradireita. É um projeto que o governo não apoia, tem demonstrado que não apoia, mas é o projeto escrito que já está ali em debate, que já está em tramitação. Então, O governo também não teve força para arquivar, em definitivo aquele projeto. E aí agora, ele continua como uma grande sombra. Hoje, com um cenário mais dificultoso, por causa do julgamento sobre o RJU, no Supremo Tribunal Federal, E também pela formatação que a gente tem dos julgamentos do Supremo favoráveis à pejotização e as contratações por terceirização quase que ilimitada. Então, esse cenário é muito problemático para os servidores públicos, principalmente quando a gente está pensando que é uma reforma que não vai atingir o todo do serviço público. Ela vai atingir os trabalhos realizados por professores, por enfermeiros, por técnicos de enfermagem, pelo Serviço social, que já estão sendo muito precarizados. Uma base que a gente precisaria dar mais proteção, mais condições, com mais contratação direta pelo Estado, vão ser, de fato, numa possível continuidade desse debate, da forma que ele vem sendo, vai ser a base que vai sofrer a maior precarização, que são os servidores que ganham entre 2 a 4, até 5 salários mínimos.

Silvana Piroli: E você acha que a pressão pode ajudar a segurar? É o único caminho que nós temos. É a pressão, né? Não vejo outro, para ver se a gente consegue o convencimento.

Camilla Louise Galdino Cândido: É, o único caminho são as pessoas compreendendo que tanto os servidores públicos como a população, que essa reforma, uma reforma fiscalista do Estado, como pretende ser, como tem sido colocado dentro dos debates, que não é para melhoria e aperfeiçoamento do Estado, que ela vai prejudicar a prestação de serviço público. Então, onde hoje a criança tem um professor na sala de aula que tá, que vai acompanhar ali a da primeira, a quinta série, né, com continuidade, você vai ter uma troca frequente de professores, em razão dos temporários, esses vínculos cada vez mais precarizados. Você vai ter uma descontinuidade problemática dentro da área da saúde, que a gente já sabe que tem problemas na OS, no pagamento. Então, você tem uma quebra na qualidade do serviço público, que, em muitos locais já não tem uma avaliação satisfatória, então você ainda tem um declínio ali, você tem uma redução do ganho do trabalhador, né? E o do vínculo, porque quando você entra no concurso público, você está pensando ali que você vai passar uma vida se dedicando ao Estado, abnegando outros ganhos, porque você tem hoje a acumulação que impede você de trabalhar em outros lugares, de ter outras atividades. Então, você tem todo um sistema que foi feito para ser perene, e aí, de repente, Você passa a quebrar esses vínculos. Eu sempre gosto de dar um exemplo, Silvana, que foi criado, por exemplo, uma empresa prestadora de serviços hospitalares que é responsável pela contratação de pessoas que não são servidores públicos. Esses empregados públicos, Eles têm uma série de garantias pelos acordos coletivos e pela própria CLT. Só que é uma espécie de terceirização, né? Então, antes era o Estado que contratava, Agora é uma empresa que contrata. E se buscava ali uma maior eficiência nos serviços públicos. E vários estudos já foram feitos e não houve esse acréscimo de eficiência. Então, A gente está falando de uma empresa do Estado. Imagina uma empresa que é privada e que visa lucro. A gente já tem passado isso muito forte dentro do setor da saúde, por meio das OSs, e é um caminho sempre questionado, mas o que parece é que a reforma administrativa quer aprofundar mais ainda esse caminho, que já não tem dado certo.

Silvana Piroli: Obrigada, doutora Camila. O que eu vejo é que a gente está diante de uma encruzilhada. Ou a gente se mobiliza para garantir os nossos direitos, e, mais do que isso, para garantir a existência de um serviço público de qualidade, ou os maiores atingidos serão a população mais pobre, os trabalhadores. Porque o que eles querem é utilizar essa reforma como uma forma de garantir ganhos para as empresas que vão operar nessa área, ou seja, o mercado vai ganhar dinheiro com isso. Agora, eles querem avançar cada vez mais no serviço público, nas áreas da Saúde e da educação, que é um filé do mercado importante, sem ter nenhuma preocupação com o povo, com os servidores ou com o resultado dessas reformas. Então, acho que a gente tem muito o que mobilizar. Obrigada, Doutora Camila, Por esses esclarecimentos, que são bem importantes na mobilização dos trabalhadores.

Camilla Louise Galdino Cândido: Tá certo, Silvana, Eu fico sempre à disposição, prazer, falar com vocês.

 

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